Prólogo

Em cidades grandes não é difícil que, mesmo com todas as luzes, e buzinas e faróis, alguns cantos sejam tão malignamente escuros e silenciosos que sejam capazes de fazer arrepiar os pêlos da nuca de um assaltante, ou assassino incauto.

Um desses lugares ficava curiosamente, debaixo de uma pequena passarela, onde Sebastian procurava esconder seu corpo esguio da chuva, que caía torrencialmente.

O morador de rua se encolhia, rezando para a noção distorcida que tinha de algo que poderia se parecer com Deus para que naquela noite, aquele ponto da cidade não alagasse. Mas ele sabia que suas preces não eram comumente ouvidas.

Então, o que lhe restava era aproveitar a o "teto" e a simpática e crescente companhia dos ratos que, como ele, se aninhavam ali.

Tirando um sanduíche mofado de dentro das vestes, Sebastian olhou para o céu cinza-chumbo esverdeado da noite paulista e pensou em quantos milhões de pobres diabos tinham contribuído para que toda aquela poluição desabasse sobre sua cabeça molhada. Passou os dedos sujos pelos cabelos desgrenhados, e quase sentiu o couro cabeludo queimar - a grossa crosta de sujeira, curiosamente, protegia sua pele.

Com um suspiro, o mendigo se preparou para dar a primeira mordida no que seria causa da extinção da sua fome de momento, e dos problemas gástricos do dia seguinte, quando seus cabelos se eriçaram.

Hehehe!...

Foi tudo muito rápido... Ele mal conseguiu sentir o que lhe havia acertado, ou como. Seu pensamento, tanto quanto podia se focar naquele momento derradeiro, foi apenas um lamento pelo sanduíche que caía ao chão, e que seria devorado pelos ratos, em uma outra hora...